Quando estive na Herdade do Rocim, no Alentejo profundo (era tão despovoado que chamo de profundo) nem era verão e o calor já escaldava. O assunto de hoje, no roteiro pelo catálogo da World Wine, é esta visita.
E o vinho é o branco da Amphora 2021.
A cidade próxima se chama Cuba, e faz um calor caribenho no número do termometro, mas seco, se o ar condicionado do carro pifasse eu teria virado um galeto na airfryer.
Há um dito que diz que só os ingleses e os cachorros loucos andam sob o sol do meio-dia. Não sendo nem britânico nem cão, resguardei-me dentro do veículo, o GPS não entendia as ruas caiadas e desertas, tudo fechado, ninguém a quem perguntar. Para agravar era domingo. Mas, à Herdade do Rocim cheguei.
A hospitaleira enóloga aguardava, com esta gentileza de abrir a propriedade num dia de descanso. Estavámos apenas nós na moderna contrução e os vinhos todos eram deliciosos. As ânforas de barro, método com 2 mil anos, quebravam o atrevimento modernista do prédio.
O cardápio do almoço dizia: sopa de tomates alentejana, de entrada. Sopa? Horrorizei. Caso típico de embaraço de nomes (não cabe dizer “lost in translation” afinal falamos todos português), a “sopa” é feita com grandes fatias de pão regional, dormido (ou velho melhor dizendo, aquele que viraria pudim de pāo), molho de tomates com coentros (assim no plural), alhos e um par de ovos fritos por cima.
É uma delícia, repeti inúmeras vezes em casa. Tenho um tesouro, o livro de Maria de Lourdes Modesto: “Cozinha Tradicional Portuguêsa”, que nāo existe igual, está tudo lá e cada receita começa com “prende-se o lume”. Todas dāo certo e ela era uma mestra.
O vinho é quase um laranja, fermentado com engaços e cascas nas ânforas e repousado 3 meses em garrafas antes de vir ao mercado. Surpreende no baixo álcool, na acidez salivante, nos aromas citrinos e florais, no toque de grapefruit (minha fruta favorita para sucos, agridoce), me lembrei do perfume querido “Eau Noire” de Dior, que simula estes cheiros de campo bem silvestre e agreste, até poderia passar um pouco do vinho atrás das orelhas…
As uvas sāo para consultar o livrāo: Antāo Vaz (40%), Perrum (20%), Rabo de Ovelha (20%) e Manteúdo (20%). Antāo Vaz é autóctone e muito querida pelos aromas frutados e pelo equilíbrio entre acidez e estrutura alcóolica. Perrum é o nome alentejano para a Pedro Ximenez. Rabo de Ovelha também é uva branca autóctone, usada para vinhos leves e de grande bebibilidade. E Manteúdo é o nome local para a Listán andaluza, que costuma ser usada nos jerezes olorosos (que me encantam). Temos, portanto, um branco longevo, ajerezado, com corpo mas boa leveza e com o que lhe dá o processo na ânfora, uma densidade maravilhosa.
Claro, fica ótimo com a sopa alentejana, quem nāo quiser colocar coentros pode mandá-los aqui para casa, pois está dificil comprá-los.
[A moderna Herdade do Rocim]
Pra variar, mais um vinho, localidade, livro, descritos pelo Horta, que me obrigam a abrir o bolso, sem utilizar a razão!
Encontrei o livro da Maria de Lourdes Modesto em um sebo virtual no RJ, que comprei, sem pestanejar.
E pensar em um branco Alentejano, sem os danosos (para o meu gosto pessoal) efeitos sobre-maduros do Sol escaldante local, me exigirá, ainda essa semana, um pedido a mais na Word Wine mais próxima…
Obrigado!