Nunca sei se começo os posts pela região, pelas uvas, pelo vinho da semana ou por minhas, sempre anedóticas, experiências nas viagens.
O Dão deve ser minha região favorita de Portugal (então penso no Douro, na Bairrada, e hesito). Portugal é um vasto país pequeno, e é muito fácil decidir: gosto do país inteiro.
Vou falar da garrafa, um tesouro, que foi a do roteiro geográfico pelo catálogo da World Wine, nesta semana: a Quinta da Falorca Encruzado reserva 2019. Ele é 95% Encruzado, casta branca majestosa da região e 5% Malvasia, por haver uma mistura no vinhedo (o que se chama “field blend”, um corte acontecido em vinhedos antigos, em que diferentes uvas estão misturadas na natureza).
Uso a palavra tesouro pois é um vinho de 2019, está cada vez mais difícil achar rótulos com certa idade nas importadoras. É um vinho de guarda em que a World Wine guardou para o cliente, que não precisa esperar, embora eu ainda guardaria mais 5 anos…
Um vinho como este ganha muito com a passagem do tempo. Ele ainda está no começo de sua vida. Os aromas florais, a complexidade na boca, com algo citrino e muito da tal mineralidade, este gosto peculiar de algo salino ou marinho, que o pessoal do vinho passa dias discutindo e a sedução de um grande branco longevo, algo que sei apontar mas não sei explicar: não é o vinho de beber aos golões, não é coadjuvante na comida, tem estrutura e excelentes traços dos anos na garrafa: algo amendoado.
Eu queria bebe-lo com um sole meunière (linguado apenas desmaiado em abundante beurre noisette, ou em nosso idioma, um peixe na manteiga que é quase queimada, cor de avelãs). Segura que estou prolixo hoje.
Como não tinha linguado, fiz algo muito pouco comum na minha vida de celibatário enclausurado: fui comprar, algo que pouca coisa me força, sair de casa, uma homenagem ao vinho.
Lembrei-me de um jantar no antigo Rech, em Paris, restaurante de peixes de M. Ducasse, o maître d’ Eric Mercier, personagem inesquecível, dramaticamente apresentou o linguado inteiro já pronto, abriu-o ao meio, retirou a espinha inteira, como num desenho animado de Tom e Jerry e serviu metade banhando com muitas colheradas de manteiga.
O meu linguado já era em filés, mas juro que o Encruzado da Quinta da Falorca foi tão bem quanto o Saint Aubin Marc Colin servido naquela noite: mesmo aroma ligeiramente de pão recém assado, mesmo cítrico, mesmo mineral marinho. Viva o Dão branco!
Não tinha alcaparras lá no Ducasse e eu não discuto com monsieur AD, e não coloquei aqui, a arte de fazer um prato delicioso com apenas 2 ingredientes: peixe e manteiga numa frigideira (e sal, pouco). E um branco superior para fazer a dupla de avelãs, manteiga, mar, no vinho e no peixe.
Fiquei esnobe e fui castigado, faltou espaço para falar do Dão. Será a hortaletter de 6a.
Quinta da Falorca Encruzado reserva 2019, vendido pela World Wine
Cada vez mais difícil achar vinhos corretamente envelhecidos, especialmente os brancos que muitas vezes ficam relegados a um distante segundo plano nos catálogos.
Obrigado pelos seus comentários ao nosso Quinta da Falorca Encruzado.
Lançámos agora uma nova referência Noblesse Oblige Encruzado 2020, com a intenção de mostrar a evolução dos Encruzados em garrafa. Esta referência, será sempre lançada no mercado com pelo menos 4 anos.