Numa viagem de mochileiro, no muito longínquo ano de 1985, eu flanava pelo sul da Espanha e vi, no mapa Michelin (era enorme, de papel, dobrava-se em umas 32 vezes até ficar no tamanho portátil), que logo ali do outro lado do Mediterrâneo, estava o Marrocos. Fui me informar e soube que um navio diário ligava Algeciras a Tânger, uma travessia marítima de cerca de três horas. No entusiasmo da juventude pensei em Casablanca, em Paul Bowles, no charme de estar num lugar completamente diferente do que conhecia, com outra língua e na África! Fui.
Relembrando agora esta aventura penso no famoso palíndromo (o maior da língua portuguesa, que eu saiba, lido ao revés é idêntico): “socorram-me, subi no ônibus em Marrocos”. Pois eu detestei tudo.
Desembarquei em Tânger e odiei o lugar, o hotel, os passeios, a comida e, claro, o vinho. A única coisa de que gostei foi do chá de menta, mas era doce de trincar os dentes. Bobamente pedia, em francês, que me trouxessem sem açúcar ao quarto. Diziam “sim, sim!” e vinha tão doce quanto antes. Duvidava de meu francês. Só muito tempo depois soube que o chá é feito cozinhando as folhas frescas de menta em água açucarada. Tinha programado fazer um desvio de uns dez dias pelo país, no fim da segunda noite decidi: amanhã volto para a Espanha. E voltei.
Mas era 1985, a produção de vinhos marroquina era de volume, mais ou menos de garrafão, para suprir a França (o Languedoc também era medíocre na época e com o mesmo propósito: muitos litros de vinhos baratos para consumo básico).
As décadas passaram e (já falei dele aqui) esbarrei com o lindo Syrah de Alain Graillot feito no Marrocos, o Tandem, do Domaines des Ouled Thaleb, na região vinícola de Zenatta. É um excelente Syrah, já consumi ao longo dos anos inúmeras garrafas, lembrando que Graillot é um talentoso produtor de Crozes-Hermitage no Rhône.
Agora, continuando minha exploração do catálogo da World Wine, deparo-me com um rosé do mesmo Domaine. Provei-o, é de Cinsault, muito fresco, muito gostoso de beber gelado, bem equilibrado, com ótimo preço. Tinha feito um frango picante, com curry verde tailandês e o rosé marroquino foi a companhia perfeita.
Queria fazer um palíndromo no estilo: “felicitem-me, bebi um vinho do Marrocos”. Claro que a preguiça foi maior. Corram, pois me informam que não há muitas garrafas e eu já desfalquei algumas mais.
Tandem Rosé, Domaine des Ouled Thaleb, importado pela World Wine.
A inteligência artificial se negou a fazer um palíndromo com felicitem-me.